segunda-feira, 25 de junho de 2012

... e os modernos tempos...

Vendo TV no sábado de manhã

Alexandre Amorim
Sábado, dez horas da manhã. Tempo meio chuvoso. O pai está com o filho, os dois sentados no sofá, tomando um suco de laranja e vendo TV. O filho já tem 10 anos, mas ainda gosta bastante de ver desenhos.
– Por que eles falam desse jeito tão diferente no desenho, filho?
– Diferente, como?
– A gente não fala assim: “Investigaremos o esconderijo do Green-Slime”.
– Como a gente fala?
– Fala assim: “A gente tem que achar onde o Melecão se esconde”. Ninguém usa “investigar” ou “esconderijo”, nem conjuga a primeira pessoa do plural enquanto conversa. E nem fala o nome todo da pessoa.
– Você às vezes me chama de João Ricardo.
– Só quando vou te dar bronca.
– Ah, é. “Slime” é melecão, em inglês?
– É quase. Aliás, por que todos os desenhos têm nome em inglês, hoje?
– Bob Esponja não tem. E todos eles são americanos, por isso os nomes são em inglês.
– Mas podiam traduzir, né?
– Assim sem tradução é bom, a gente aprende inglês mais rápido.
– E quem não quer aprender inglês?
– Vai viver na Lua. Ou na China.
– Ou em Cuba, né, meu filhinho capitalista?
– Que que é isso?
– Nada. Aqui no Brasil fazem coisas muito boas pra crianças.
– Lá vem você falar do Sítio do Picapau Amarelo, de novo.
– É a melhor obra infantil do mundo!
– Você já leu todas?
– Deixa de ser bobo. Isso é modo de falar.
– Bobo é você, que não gosta de americano, nem quer me levar pra Disney.
– Tem muito lugar no Brasil melhor do que a Disney.
– E nesses lugares tem o Epcot? Tem o Mickey?
– Nesses lugares tem rios, praias, tamanduá-bandeira, onça, lobo-guará...
– É, deve ser legal. Vamos, nas férias?
– Claro!
– E aí, nas outras férias, vamos pra Disney?
– É longe, filho.
– Tem avião, pai. Você tem medo?
– Um pouquinho.
– Então posso ir com o Gabriel? Ele vai com o pai dele.
– Vamos ver, vamos ver.
– Vamos ver, na sua língua, quer dizer: “não”.
– Filho, não tem desenho melhor passando em outro canal, não?
– Ah, não muda, não! Esse é o desenho que eu mais gosto.
– Antigamente tinha Papa-Léguas, Corrida Maluca...
– É, devia ser ótimo. Por que você não gravou?
– Não tinha videocassete.
– O que é videocassete?
– Não tinha como gravar, João.
– Como assim?
– Só tinha TV, não tinha DVD, pendrive, internet, celular, iPad.
– O mundo era em preto e branco...
– Deixa de gracinha. Era muito melhor naquela época.
– Eu acho hoje melhor.
– Você não pode saber, você não viveu naquela época.
– E você não é criança, hoje.
– Aproveita, filho. Depois dá uma saudade danada. Muda tudo, a gente não consegue mais entender direito as coisas que os filhos gostam.
– Mas a gente não precisa brigar por causa disso.
– OK, meu filho. Não discutiremos por isso.
– Você falou OK, de americano. E ainda usou esse “discutiremos” esquisito, aí. Parece personagem de desenho.
– João, vou te ensinar um negócio do meu tempo...
– O quê?
– Vai ver se eu tô lá na esquina.
– ?
Publicado em 19/06/2012

http://www.educacaopublica.rj.gov.br/index.htm

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